Lugares Impolutos
“O colégio é amarelo?Não Papá, mas vou pintar à minha maneira”
Olívia Maia (6 anos), 2015
Esta resposta é um ensinamento. É convidar-me ao atrevimento de recuar para um outro plano, mas carregado de futuro, de racionalizações e pré-conceitos. Só vestindo um bom disfarce posso iludir-me, para chegar apenas perto. Entrar no atelier é vestir-me. Vestir-me não apenas para pintar as casas da cor que a pintura pede, à minha maneira, mas também para catapultar-me no mesmo voo para esse mundo outro que me espera diariamente. Aí sacudo o pó da viagem e embrenho-me no caminho do encontro e na beleza de não saber cabalmente o que estou a fazer. A parede frontal, íman de referências, frases, memórias e imagens, alimenta a concretização de algo que está para lá das curvas. E entretanto, obedecendo às leis da física, os papeis vão caindo secretamente no alvor de um novo destino, dando lugar a outros mais actuais, ou simplesmente destapando aqueles que insistiam permanecer na sombra. A pintura molda-se, como borracha de pão, ao mexer das mãos e ao cintilar das ideias numa interminável esperança.
Depois de ter reflectido em Quase Lugar no aspecto afectivo inerente à definição de lugar e na constatação pessoal da perda de uma infância mais livre e imaginativa que a infância de hoje, a coleção que aqui apresento, parte dos mesmos conceitos, lugar e infância, mas aborda-os de outro ângulo ao lembrar que o lugar mental das crianças é breve, mas que enquanto existe emana uma pureza absolutamente cristalina, já que não está ainda “contaminado” por toda a inevitável racionalização, nem por todo o manancial de conceitos adquiridos posteriormente.
Por outro lado, numa perspectiva mais social e estética, constato outra perda, ao incidir o foco naqueles lugares físicos de vivência humana que também já foram autênticos, puros e poéticos...belos. Contudo, suspeitando da provável já não existência destes lugares, fatalmente atingidos pela modernidade, pelo progresso e pela fria tecnologia, a imaginação aparece como imune e salvífica abrindo-nos a porta a infinitos lugares, os quais concretizados por uma experiência artística autêntica e verdadeira, não podem senão ser adjectivados de impolutos.