Pátio Onírico
O silêncio parece ser o encontro mais precioso. O canto da mesa parece ser o lugar mais cómodo. A cortina parece ser o que mais apetece olhar, espreitar pelos buracos dos bordados. O pátio parece ser o palco de todas as estranhezas, o apeadeiro dos viajantes sem regresso, das máquinas sorridentes. Aparecem das sombras, desaparecem nas esquinas, emergem das paredes coloridas. Tudo faz parte de tudo, toda a matéria é a mesma. Não há som, não há sequer o som da língua a remexer na boca, do pestanejar. É um silêncio que se iguala ao do bulir das sombras. Atroz mas sensual, que dá vontade de apalpar. Dentro dele destrinça-se outro, ainda mais silencioso, mais lustroso, que toca a não existência. Que decora a tarde. Que dá espaço para o deleite dos detalhes. As máquinas estão caladas. Olham-se, encostam-se, beijam-se, acariciam-se.
O tempo parece ser interminável. Permite ver, reparar, dissecar todos os gestos, todas as quietudes. Podem-se tactear os rastos deixados no ar quente. Parece ser um espectáculo. O espectáculo das máquinas e dos corpos, das formas, que se encerra na intimidade das paredes do pátio. As personagens, anónimas, exibem os fragmentos da sua existência pulverizada no espaço, dormem nos nichos, dançam ao Sol, trincam as paredes. Arcos laranjas iluminam o ar, vestidos contorcem-se no vagar, vestígios de corpos animam a frieza das máquinas. Seios de aço ostentam os seus mamilos, sorrisos escondem-se nas sombras.
Apetece olhar desde o canto da mesa. Ou espreitar no parapeito da janela. Apetece fazer uma pausa e apalpar a madeira brilhante da cadeira antiga. Apetece distrair o pensamento, deixa-lo cair no azul do imenso vazio. Apetece olhar para trás e sentir o vácuo planar. Contar os tacos do chão encerados. Apetece tapar a cara com a cortina branca, rir, chorar, entristecer com o adeus dos forasteiros que ali pararam para desfilar. Para viver mais um pouco. O olhar parece ser só um. Um só espectador, no canto da mesa, com o queixo sobre os dedos entrelaçados. Sempre só um. Só. Na plateia, na sua plateia. Absorto, expectante, alegre e ausente. Com uma inocente vontade de penetrar nesse sonho, saltar para o palco e ver o seu próprio rasto pairar no ar luminoso desse pátio onírico.